Eu já sei tudo o que deveria comer, mas não consigo…

“É preciso educar a população sobre o que é alimentação saudável. As pessoas não sabem comer direito”, era o que eu ouvia na faculdade. Partindo dessa premissa, informar as pessoas sobre calorias, carboidratos, gorduras… foi, por durante algum tempo, o que guiou o meu trabalho como nutricionista.

Convencer as pessoas de que elas deveriam trocar o pão branco pelo integral era, infelizmente e erroneamente, vista como umas das tarefas de um nutricionista. Sim, quando eu me formei, há quase dez anos atrás, ainda podia comer pão e não precisava zerar “carbos”. A tal “escolha inteligente”, aquela substituição de alimentos para alcançar o “corpo ou a saúde ideal”, já ouviu falar?

Lembro que minhas primeiras consultas eram chatérrimas, verdadeiras aulas de nutrição. Despejava um monte de conceitos de sobre grupos alimentares, ideias de combinações e esquemas sobre o que comer. E era muito frustrante perceber, ao retorno, que pouco ou nada daquela uma hora ensinando a “comer certinho” servia para mudanças reais. Isso quando as pessoas retornavam. Reconheço hoje que era chato mesmo buscar ajuda e receber uma aulinha no lugar.

Preferi acreditar que o problema era comigo ao invés de colocar a culpa na falta de força de vontade dos meus pacientes. E então fui estudar mais a fundo a pedagogia por pensar que talvez não estivesse sendo didática o suficiente.

Conhecendo alguns teóricos, descobri que nunca pratiquei a verdadeira educação durante as minhas sessões. Jamais havia sido ensinada que era preciso explorar as subjetividades (as histórias das pessoas) e que a construção de um conhecimento é feita a partir de vários saberes (sim, você também sabe sobre comida e sobre comer e não somente eu). No fim das contas, percebi que era uma mera transmissora de informações técnicas.

 Foi duro encarar a realidade de que se qualquer um que tivesse acesso aos mesmos livros que li, eu seria completamente descartável. Querendo ser mais que uma enciclopédia dos alimentos ambulante, mergulhei nos conhecimentos do comportamento alimentar para tentar responder perguntas que me angustiavam: Por que, como e quando as pessoas mudam sua maneira de comer? Ou na linguagem dos pacientes: Eu sei o que devo comer, mas não consigo. Por que?

Dentre várias possíveis explicações sobre o porquê comemos o que comemos, vou me deter a uma que as autoras do livro Intuitive Eating, Evelyn Tribole e Elyse Resch, trazem no prólogo da obra.

O cérebro humano pode ser dividido em três grandes porções. A primeira região é a do cérebro reptiliano, assim chamada por ser a responsável pelos nossos instintos. Controle da fome, da saciedade, da temperatura corporal, da sede, da secreção de hormônios, sono, enfim, todas as funções vitais essenciais à nossa sobrevivência são reguladas por esse nosso cérebro primitivo. Ao nascermos, é a porção do nosso cérebro mais desenvolvida, e é graças a ela que ninguém precisa ensinar um bebê a sentir fome. Ao sentir o incômodo no corpo, ele chora até que consiga obter o alimento. Ao sentir a saciedade, para de comer naturalmente.

A segunda região corresponde ao nosso sistema límbico, o cérebro desenvolvido em todos os mamíferos, responsável pelo desenvolvimento das nossas emoções, memórias afetivas e comportamentos sociais. Imatura quando nascemos, essa porção do cérebro registra à medida que crescemos, as associações positivas e negativas que vivenciamos com a alimentação. É a partir das nossas sucessivas experiências com a amamentação, por exemplo, que compreendemos que comer, além de matar a fome, é aconchego, carinho, proteção, afeto, vínculo e por aí vai…

Finalmente, a terceira porção é a chamada cérebro racional ou neocórtex cerebral. Essa é a região que nos diferencia como seres humanos de todos os outros animais. Diferente do que possamos imaginar, nosso cérebro racional não controla nossos instintos nem emoções. Ele simplesmente interpreta e expressa o que o cérebro reptiliano e o sistema límbico comunicam em forma de pensamentos e palavras, integrando as suas porções. É o cérebro racional que registra as informações que recebemos, dando sentido a elas. Sabe aquelas informações que eu dava nas minhas aulinhas, ops, atendimentos?

Acontece que, quando queremos modificar a nossa alimentação, trabalhamos apenas com a porção racional do nosso cérebro, desconsiderando nossos instintos de sobrevivência (fome, saciedade, apetite) e as nossas memórias afetivas e culturais com a alimentação. E é basicamente por isso que sabemos o que deveríamos comer, mas não fazemos (tchanãmmmm!)

Levar em conta fome, saciedade, satisfação, pensamentos e emoções no momento de comer são elementos essenciais para que possamos envolver as três partes do nosso cérebro e para que possamos, de fato, promover mudança efetiva dos nossos hábitos alimentares.

Um cérebro faminto, desejando afeto, tentando evitar pensamentos em comida dificilmente resistirá a um evento social onde a principal forma de comunhão consiste em comer. Desse modo, falhar em uma dieta restritiva, além de esperado, é algo considerado completamente normal, já que nosso cérebro não está preparado para lidar com a privação. Ainda bem, já que a nossa sobrevivência correria sérios riscos.

Comer de forma saudável torna-se bem mais razoável quando, além de pensarmos em nutrientes, consideramos nossas necessidades físicas, psíquicas, sociais e culturais. Modificar nossa alimentação envolve acessar nossa história com a comida e podemos precisar de ajuda de profissionais que sejam mais que transmissores de informações para fazer uma travessia segura e mais em paz com a nossa saúde. Peça ajuda se sentir que precisa e respeite a sua complexidade. Você é humano!

Lydiane Bragunci. Nutricionista que acredita pessoas de todos os tamanhos e com todos os corpos possam ter saúde e estabelecer uma relação saudável com a alimentação. Coautora do Livro em Paz com a comida e idealizadora do Instituto de Alimentação Consciente e Intuitiva.