Você é o que você come?

Pode-se dizer que tais saberes sobre o sujeito e o comer, definido como um ideal, alteram-se ao longo do tempo. No século XX, a saúde torna-se sinônimo de boa forma, impondo-se como um projeto pessoal. Surge assim, o discurso médico da longevidade, qualidade de vida, saúde e boa forma associado à alimentação, tendo como pano de fundo uma cultura de prevenção e securidade, ou seja, uma noção de saúde perfeita e passível de controle a partir das quantidades e horários que os alimentos devem ser ingeridos.

Desse modo, as pessoas são autonônomas, com liberdade de escolha, tornando-se responsáveis quanto ao que, quando e com quem comer. O que acaba produzindo ansiedade, dúvida e anseios, pois são inúmeros os discursos que impõem regras sobre o comer (o que comer, como comer, o que beber, o que harmoniza com tal comida), muitas vezes contraditórios.

Os profissionais da saúde apropriam-se de tais discursos para recomendar um padrão de dieta idealizado que recusa os aspectos culturais e históricos da alimentação, na qual o sentido principal do alimento é sua eficácia em construir um corpo ideal. Aqueles que desviam dessa norma estariam colocando em risco sua saúde e se distanciando de um “corpo ideal”. Tal norma atual, expressa-se pelos quadros clínicos dos transtornos alimentares, obsessão pela magreza, compulsão por exercícios físicos, excessivas intervenções cirurgicas estéticas, etc, em um declínio da interioridade em relação à exterioridade, engajando o corpo diretamente, por ser este alvo dos ideais de completude e perfeição.

As sociedades possuem inúmeros discursos sobre a alimentação e o ato de comer , seja no sentido publicitário, seja como objeto de desejo e mesmo na dimensão de investimento econômico. Tais discursos incidem sobre o corpo e a comida saudável e os tornam objetos de múltiplos investimentos. Você coloca para dentro de seu próprio corpo as propriedades de determinados alimentos, produzindo-se normas, direções e regras para as pessoas seguirem quanto à alimentação. A comida se torna assim uma âncora para identificação: sou aquele que come de tal e tal modo e só me relaciono com pessoas que fazem escolhas semelhantes. Teríamos aí um novo modo de ser a partir do que você come?

Tatiana Terruggi é psicóloga clínica (UNESP Bauru/2017), pós graduanda em terapia cognitivo comportamental (CETCC) e especialização em Neuropsicologia (IPOG), e participante do grupo de estudos #VcTemFomeDeQuê?

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